segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Viver sempre também cansa

Viver sempre também cansa.
O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinzento negro, quase verde...
Mas nunca tem a cor inesperada.


O mundo não se modifica.
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.


As paisagens também não se transformam.
Não cai neve vermelha,
não há flores que voem,
a lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua.


Tudo é igual, mecânico e exacto.


Ainda por cima os homens são os homens
soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação.


E há bairros miseráveis, sempre os mesmos,
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe,
automóveis de corrida...


E obrigam - me a viver até à Morte!


Pois não era mais humano
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois,
achando tudo mais novo?


Ah! se eu pudesse suicidar - me por seis meses,
morrer em cima de um divã
com a cabeça sobre uma almofada,
confiante e sereno por saber
que tu velavas, meu amor do Norte.


Quando viessem perguntar por mim
havias de dizer com teu sorriso
onde arde um coração em melodia:?
Matou - se esta manhã.
Agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela.”


E virias depois, suavemente
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo...



José Gomes Ferreira

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