Se me permitisse sentir,
diria que me falta metade da existência.
Deixo-me assolar por medos,
desassossegos, silêncios
velhos,
perguntas sem resposta;
tenho anseios de voo
e uma tontura, um enjoo,
que me prende ao chão e
trava.
Nada me diverte ou me
dispersa.
Nem esta espécie de força, a
dizer-se gasta,
que me sustenta;
nem esta imitação de troça
estéril,
em nós de água na garganta,
que, num esmagamento pesado,
certo,
me fere, me entontece e
arrasta;
nem este desalento surdo, feito
uma pasta,
colado, virado contra mim,
que me alimenta.
Que é feito desse animal,
ferido de morte,
que me escoiceava, em
cegueiras de justiça?
Espectadora de mim, a
desfazer-me,
já não sei se o que mais dói
é estar dormente.
Esboço o sorriso idiota de quem
não pensa,
a atitude de quem não mais se
interessa,
que nova batalha perdida é
indiferente,
tudo é tão mau quanto foi
noutra qualquer altura,
solto um suspiro, engulo em
seco,
aperto a boca e sento-me para
trás
em desistência.
Margarida Faro
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