sábado, 2 de julho de 2022

Desistência

Se me permitisse sentir,

diria que me falta metade da existência.


Deixo-me assolar por medos,

desassossegos, silêncios velhos,

perguntas sem resposta;

tenho anseios de voo

e uma tontura, um enjoo,

que me prende ao chão e trava.

Nada me diverte ou me dispersa.

Nem esta espécie de força, a dizer-se gasta,

que me sustenta;

nem esta imitação de troça estéril,

em nós de água na garganta,

que, num esmagamento pesado, certo,

me fere, me entontece e arrasta;

nem este desalento surdo, feito uma pasta,

colado, virado contra mim,

que me alimenta.

 

Que é feito desse animal, ferido de morte,

que me escoiceava, em cegueiras de justiça?

Espectadora de mim, a desfazer-me,

já não sei se o que mais dói é estar dormente.

 

Esboço o sorriso idiota de quem não pensa,

a atitude de quem não mais se interessa,

que nova batalha perdida é indiferente,

tudo é tão mau quanto foi noutra qualquer altura,

solto um suspiro, engulo em seco,

aperto a boca e sento-me para trás

em desistência.


Margarida Faro

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