domingo, 3 de maio de 2009

MÃE

No mais fundo de ti
eu sei que traí, mãe!

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos!

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais!

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.
Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura!
Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos...
Mas tu esqueceste muita coisa!
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha, queres ouvir-me?:
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos...
ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura...

ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal...
Mas-tu sabes!-a noite é enorme
e todo o meu corpo cresceu...
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas...

Boa noite. Eu vou com as aves!


Eugénio de Andrade

2 comentários:

isabelprofesssoracommuitapena disse...

Um dos poemas mais lindos que eu conheço e há tanto tempo que o não lia...comoveu me...porque ser mãe ainda é a melhor coisa do mundo.

Rosário disse...

Também acho que é dos poemas mais lindos que conheço, aliás, como toda a poesia de Eugénio de Andrade, poeta que leio desde sempre e que sempre me comove...

Bjs